As 18 armas no altar da panóplia chinesa
- Guilherme Amaral Luz
- 7 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Por Rodrigo Wolff Apolloni
com colaborações de Guilherme Amaral Luz

Entrar em uma academia de Kung-Fu e ter a oportunidade de examinar seu armeiro – aquela estrutura de madeira cuja qualidade varia de acordo com o poder aquisitivo do proprietário – é uma “experiência antropológica”. Nele, é possível encontrar armas chinesas mais ou menos conhecidas, mais ou menos “clássicas”, e, eventualmente, peças adaptadas ou até mesmo inventadas.
A katana e a panóplia

Se, na cultura marcial japonesa, a katana (刀) ocupa praticamente todo o espaço e o imaginário – a despeito da existência de muitas outras armas originais, começando pelo naginata (長刀/薙刀) –, no caso chinês não existe essa prevalência. Poderíamos até pensar no facão, na espada reta, na lança ou no bastão, mas isto simplesmente não seria o bastante. Não há “uma arma chinesa”, mas armas. A cultura marcial chinesa, enfim, é amante da panóplia (πανοπλια; "todas as armas").
E essa relação nasce de fatores históricos, socioeconômicos, geográficos e até fenotípicos. País grande, muita gente, muitas etnias, uma longa história, uma vasta trajetória de guerras e conflitos, etc. Essa panóplia, porém, também encontra seu limite ou limites, dentro do que a comunidade marcial chinesa definiu como “18 Classes de Armas” (“十八般兵器”- Shíbā bān bīngqì).

Lista de Armas
Listas de armas para especialistas marciais já eram publicadas na Dinastia Song, há mil anos. No entanto, a primeira lista “cravada” de 18 Armas só apareceu no século XIV, na dinastia Yuan. E veio com “À Margem das Águas” (水滸傳, Shuǐhǔ Zhuàn), livro altamente influente em toda a Ásia do Leste atribuído a Shi Nayan (施耐庵, Shī Nàiān). A primeira “lista de 18 armas” é descrita no Capítulo 02:
"Wang Jing começou a ministrar suas lições a partir daquele dia e Shi Jin pediu para aprender os dezoito temas atléticos em detalhes. Em pouco mais de meio ano, ele alcançou a maestria nestas técnicas: (1) – uso da lança; (2) – massa ou martelo de cabo longo; (3) – o arco; (4) – a besta; (5) – o arcabuz/canhão de mão; (6) – o chicote de ferro; (7) – o porrete de ferro; (8) – a espada reta de fio duplo; (9) – a corrente; (10) – os ganchos; (11) – o machado; (12) – o machado de batalha; (13) – a lança de três pontas (tridente); (14) – a alabarda; (15) – o escudo; (16) – o porrete; (17) – a lança; (18) – o ancinho” (traduzimos a tradução de J. H. Jackson para o inglês).

Outras armas “estranhas” são a lança/pique 矛 (máo), a arqueológica adaga-machado 戈 (gē) e a alabarda 戟 (jǐ), que passaram por um processo de “fossilização” ou conversão em outras armas longas.
A principal arma faltante na lista originária de Shi Nayan é o facão ou sabre 刀 (dāo), extremamente popular desde a Dinastia Han (séc. II AEC a II EC), mas que acabou “fora do armeiro”. O fato é que, em sua versão Miaodao (苗刀, Miáo dāo) – longo, leve e de empunhadura dupla –, ele acabaria se tornando excepcionalmente popular na dinastia Ming. É possível, inclusive, que o Miaodao represente o ápice do universo das armas chinesas de empunhar (esta, porém, é uma opinião pessoal deste escriba).
Há que observar, ainda, a presença de facões de empunhadura simples em tempos recentes, como armas de apoio às tropas chinesas nos conflitos da primeira metade do século XX.
Da lista inicial, em termos de categorias – dentre as muitas aplicáveis –, temos:
• 3 armas de arremesso longo (sendo 1 de propulsão química)
• 8 armas longas
• 3 armas médias
• 1 arma curta (se considerarmos a machadinha nesta categoria)
• 2 armas articuladas
• 1 arma “especial” (escudo).
E a “nossa lista”?
Conversando com professores e praticantes brasileiros, é possível afirmar que o “número mágico” 18 até se mantém, mas que não há exatamente uma certeza em relação às armas que compõem a lista. Nesse caso, a aproximação – perfeitamente lógica – é feita a partir das armas normalmente aprendidas nas próprias academias dos mestres chineses ou de seus discípulos de primeira geração (seriam elas o facão, bastão, espada reta, lança, guandao, espada orelha-de-tigre, leque, banco, vassoura, punhal etc.); muitas destas armas, aliás, são categorizadas e validadas oficialmente pelas federações e confederações que regem a modalidade atualmente.
O que, ao fim e ao cabo, acaba produzindo uma outra lista, a lista atual, reduzida e modificada em relação à lista de 18 armas estatuída por Shi Nayan. Essa lista contempla as seguintes armas, que, como veremos, também podem variar em relação ao critério “arma simples”/“arma dupla”):

• Espada reta 劍 (jiàn)
• Espada reta dupla 雙劍 (shuāng jiàn)
• Sabre/facão 刀 (dāo)
• Sabre/facão duplo 雙刀 (shuāng dāo)
• Agulhas de Emei 峨眉刺 (éméi cì)
• Espada-gancho/orelha-de-tigre dupla 鉤鐮刀 (gōu lián dāo)
• Bastão 棍 (gùn)
• Lança 槍 (qiāng)
• San-jie-gun 三節棍 (sān jié gùn)
• Pudao 朴刀 (pǔ dāo)
• Guandao 關刀 (guān dāo)
(*) – Competições tradicionais também podem contemplar categorias para “armas especiais” que abrangem, por exemplo, as de arremesso controlado (como correntes, martelo meteoro, lança de corda/corrente).
E a sua panóplia?
Caro leitor: se você pudesse eleger a sua própria lista de 18 armas – que, de fato, nem precisaria contar o número exato, mas o ideal –, que armas ela conteria? E quais os motivos da sua escolha? Deixe nos comentários!
Vamos à minha panóplia pessoal - o que eu levaria para a guerra na velha China dos sonhos, enfim: uma arma longa - lança, que traz, em si, o bastão e suas técnicas; um escudo de baixo peso; duas armas médias, um sabre miaodao - arma das armas - e uma espada reta jian de empunhadura simples (para combates cavalheirescos); um par de punhais (para lutas em espaços reduzidos como corredores de edificações ou camarotes de navios - e também para arremessos); um par de martelos/maracas do tipo shuang chui, mas leves; e um arco composto acompanhado de um carcás repleto de flechas. Se tudo isso viesse acompanhado por um cavalo de batalha, estaria resolvida a questão! Total de armas:…
Meus "armeiros":
Que belo texto! Eu tenho certeza que, não fosse a panóplia, eu não teria seguido no Kungfu! Hoje, praticando o taijiquan, me encanta que a família Chen tem sua própria panóplia também. A minha lista pessoal, fruto dessa miscelânea de estudos, é a seguinte: 1. Bastão; 2. Nunchaku 3. Facão 4. Espada reta 5, Lança 6. Facão Duplo 7. Leque 8. Bengala 9. Punhal Duplo 10. Faca Borboleta (também dupla) 11. Martelo Duplo (no Garra de Águia, é um que parece uma maça europeia, chamamos 雙錘) 12. Pá de Monge (Pá com meia lua) 13. Dadao (aquele famoso na dinastia Qing, de duas mãos) 14.. Maça dupla (雙鐧) 15. Guandao 16. Espada-gancho 17. Miaodao 18. Corrente. Ufa! No meu treinamento, só chegue…
Eu não chegaria ao cânon de 18, cujo número me parece mais uma tentativa de "arhatizar" a construção...
Para mim, as armas emblemáticas são:
- Bastão longo e suas variações (associadas às mitologias de Shaolin e às lendas do Rei Macaco);
- As diversas variações dos "sabres" ou "facas", principalmente as "facas borboletas" do Wing Chun;
- A Lança (associada muito fortemente ao Jiaomen, especialmente ao Xingyiquan);
- A espada reta (especialmente ligada às tradições iconográficas e litúrgicas taoístas de exorcismo e ao Taijiquan);
- O Guandao, associado à figura de Guan Yu.