Sobre Cocorinhas, Tui Shou e Interculturalidades
- Mariana Baruco Machado Andraus

- 9 de mar. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Uma manhã, um encontro.
Setembro de 2023. Dia de homenagear o saudoso Mestre Antonio Ambrosio, referência inconteste da capoeira Angola no município de Campinas-SP. Na praça, o encontro dos Mestres que portam e perpetuam o legado histórico, poético e vivencial de Antonio - a lenda -, nas práticas de luta atentas ao jogo sagaz, à astúcia sensível e à mandinga que propulsiona saberes em corpos lutantes lapidados pela vida. Eu ali, imersa, plena de China e desejosa de Brasil, com um corpo treinado em tenacidades e rigores e em franco conflito com o corpo gingado da dança que me fez. Arte marcial, dança; arte marcial, dança. Na capoeira, em busca do dançar, percebo-me lutadora tenaz, ágil, versada em técnicas de contato próximo, derrubadas e imobilizações, desejosa da distância saudável que o jogo impõe aos corpos e aos seres. O gingar nos dá o espaço do encontro com nossas próprias idiossincrasias e estabelece as fronteiras necessárias para o marcial Ser.
É ao conversar que descubro: Mestre Jahça, em nova altura de vida vivida, dedica-se atualmente à prática do kungfu e a todos os incrementos que esta prática pode trazer ao seu corpo forjado na capoeira. E então, fez-se o encontro.
Em 15 de novembro de 2023, mediante convite do Mestre, compareço a seu espaço acompanhada de dois filhos de santo para a desejada experiência do aprender. Jogamos, improvisamos, dançamos blues, esboçamos cenas, tocamos percussões e berimbau, lanchamos, tomamos cerveja e conversamos muito. Os interesses em comum estavam estabelecidos: a luta tecida na esteira das artes é aquela que interessa. No final da tarde, no terraço, empresto minha lança ao Mestre. Ele está a aprender uma nova forma com seu Sifu. A pedido do Mestre observo sua forma, analiso e comento, e não tarda até que eu tome em minhas mãos um cabo de vassoura para conversar sobre aquelas aplicações a partir da experiência concreta delas funcionando. Porque foi assim que aprendi luta nos quinze anos que me fizeram lutante. E então minha mente começa a criar novos nexos de inteligibilidade nunca antes por mim pensados, porque livres de preconceitos. É intercultural? É intracultural? É cultural? Pouco importa. É experiência vivida e sentida por corpos que já lutaram pela própria vida pelo menos uma vez. E isso é suficiente. Na cocorinha, o balanço dos braços aos moldes do Tui Shou feito por ambos confirma para mim mais uma vez que, como trazido à luz por Bruce Lee, linguagens são interessantes desde que não engessem o Ser. No acender das luzes deste Café Cunfú, trago os desejos de que cafés, chás, kungfus e capoeiras possam se entrelaçar com a divineza que as lutas ensinam cotidianamente nossos corpos a tecer.
Mariana Baruco Machado Andraus
Livre-Docente do Departamento de Artes Corporais
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)





Wow... A arte marcial dança também na pedagoginga do texto, pslavras dançantes